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Através da Macedónia e Grécia

20 Acabada a confusão, Paulo reuniu os discípulos, dirigiu-lhes uma mensagem de encorajamento, despediu-se e partiu para a Macedónia. Viajou através dessa região, encorajando os crentes em todas as vilas e cidades. Depois chegou à Grécia, ficando ali durante três meses. Preparava-se para embarcar para a Síria, quando descobriu que os judeus conspiravam contra a sua vida. Resolveu então ir primeiro ao norte, à Macedónia.

Acompanharam-no: Sópatro, filho de Pirro, de Bereia; Aristarco e Segundo de Tessalónica; Gaio de Derbe; Timóteo; Tíquico e Trófimo que eram da província da Ásia. Estes últimos, tendo partido à frente, esperaram-nos em Tróade. Mal terminaram as cerimónias da Páscoa, embarcámos em Filipos e passados cinco dias chegávamos a Tróade, na província da Ásia, onde ficámos uma semana.

Êutico é ressuscitado em Tróade

No domingo, reunimo-nos para cear juntos. Paulo pregou nesse encontro e, porque ia partir no dia seguinte, alongou o seu discurso até à meia-noite. A sala no andar onde nos reunimos estava iluminada com muitas lâmpadas a óleo. E como Paulo prolongasse muito o seu sermão, um jovem chamado Êutico, que estava sentado no parapeito duma janela, adormeceu e caiu da altura de três andares, tendo morrido. 10 Paulo desceu e, levantando-o nos braços, disse: “Não se preocupem; ele está vivo!” 11 Voltaram todos para cima e tomaram juntos uma refeição. Paulo ainda lhes falou longamente e já era madrugada quando partiu. 12 Levaram o rapaz dali vivo, o que os deixou não pouco consolados.

A despedida de Paulo dos anciãos de Éfeso

13 Nós seguimos à frente de barco e navegámos até Asson, onde ficámos de receber Paulo, pois assim ele no-lo ordenara, ponde-se ele a caminho por terra. 14 Ali, reuniu-se connosco e embarcámos juntos para Mitilene. 15 No dia seguinte passámos junto a Quio; no outro aproámos a Samos; um dia mais tarde chegámos a Mileto.

16 Paulo resolvera não parar em Éfeso desta vez, para evitar passar tempo na província da Ásia, visto ter pressa em chegar a Jerusalém, se possível para celebrar o Pentecostes. 17 Por isso, quando desembarcámos em Mileto, mandou recado aos anciãos da igreja de Éfeso, pedindo-lhes para virem ter com ele.

18 Quando chegaram, disse-lhes: “Desde o dia em que desembarquei na província da Ásia, até agora, sabem de que modo tenho passado todo o tempo na vossa companhia 19 servindo humildemente o Senhor, no meio de lágrimas e grandes perigos, devido às conspirações dos judeus contra a minha vida. 20 No entanto, nunca deixei de dizer-vos nem de ensinar-vos tudo o que vos fosse útil, quer publicamente quer em vossas casas. 21 O meu testemunho tanto para os judeus como para gentios tem sido o mesmo: que é preciso arrependerem-se do pecado, converterem-se a Deus e crerem no nosso Senhor Jesus Cristo.

22 Agora sigo para Jerusalém, levado pelo Espírito Santo, sem saber o que me espera, 23 a não ser que o Espírito Santo me tem dito que me esperam a prisão e o sofrimento, de cidade em cidade. 24 Porém, não atribuo à minha vida valor algum se não completar a carreira e cumprir a tarefa que me foi confiada pelo Senhor Jesus, ou seja, dar testemunho do evangelho da graça de Deus.

25 Sei bem que nenhum de vocês, junto de quem estive a pregar o reino de Deus, nunca mais tornará a ver-me. 26 Por isso, vos testemunho solenemente, hoje mesmo, que estou inocente da perdição eterna seja de quem for; 27 pois nunca deixei de vos anunciar integralmente a vontade de Deus.

28 Olhem agora por vocês próprios e pelo rebanho de Deus, sobre o qual o Espírito Santo vos constituiu líderes, para alimentar a igreja que Jesus comprou com o seu próprio sangue. 29 Sei muito bem que, quando vos deixar, hão de aparecer no vosso meio mestres que, como lobos ferozes, não pouparão o rebanho. 30 Mesmo alguns de vocês hão de torcer a verdade só para arranjar discípulos.

31 Cuidado e vigiem! Lembrem-se dos três anos que convosco passei, do meu constante cuidado noite e dia, aconselhando-vos e avisando-vos, até com lágrimas. 32 E agora confio-vos a Deus, ao seu cuidado e à palavra da sua graça. É esta palavra que pode construir a vossa fé e garantir-vos a herança que vos reserva, a vocês e a todos os que são santificados.

33 Nunca cobicei nem prata nem ouro, nem o vestuário, nem as riquezas de ninguém. 34 Sabem que estas minhas mãos trabalharam para me sustentar, e até para atender às necessidades dos que estavam comigo. 35 Em tudo, quis mostrar-vos como, trabalhando esforçadamente, devemos auxiliar os fracos e lembrar-nos das palavras do Senhor Jesus: ‘É mais feliz dar do que receber!’ ”

36 Quando acabou de falar, ajoelhou-se e orou com todos os crentes. 37 Todos choravam copiosamente, abraçando e beijando Paulo, 38 entristecendo-se, sobretudo, por ele ter dito que nunca mais eles haveriam de o ver. Seguidamente, acompanharam-no até ao navio.

Paulo a caminho de Jerusalém

21 Depois de nos termos separado dos pastores de Éfeso, velejámos diretamente para Cós. No dia seguinte, chegámos a Rodes, prosseguindo para Pátara. Ali, tomámos um navio que ia partir para a província da Fenícia. Avistámos a ilha de Chipre, que deixámos à nossa esquerda, e desembarcámos no porto de Tiro, na Síria, onde o barco foi descarregado. Entrámos então em contacto com os discípulos da terra, ficando com eles durante uma semana. Estes discípulos aconselharam Paulo, da parte do Espírito, a não se dirigir para Jerusalém. No fim da semana, quando voltámos para bordo, todos os crentes, incluindo mulheres e crianças, acompanharam-nos para fora da cidade; fomos até à praia, onde orámos ajoelhados e nos despedimos. Depois embarcámos e eles voltaram para casa.

A paragem seguinte, depois de sairmos de Tiro, foi Ptolemaida, onde saudámos os crentes, demorando-nos junto deles, porém, só um dia. Seguimos então para Cesareia e ficámos em casa de Filipe, o evangelista, um dos primeiros sete diáconos. Ele tinha quatro filhas solteiras que possuíam o dom da profecia.

10 Durante a nossa estada de vários dias, fomos visitados por um profeta chamado Ágabo, vindo da Judeia. 11 Dirigindo-se a nós, pegou no cinto de Paulo, amarrou os seus próprios pés e mãos com ele e disse: “Assim diz o Espírito Santo: ‘O homem a quem este cinto pertence será semelhantemente amarrado pelos judeus em Jerusalém e entregue aos gentios.’ ”

12 Ao ouvirmos isto, todos nós, os crentes locais e os companheiros de Paulo, pedimos ao apóstolo que não continuasse viagem para Jerusalém. 13 Mas ele respondeu: “Para que é todo este pranto? Magoam-me o coração, pois estou pronto não só a ser amarrado como também a morrer em Jerusalém pelo nome do Senhor Jesus.” 14 Quando não havia dúvidas de que era impossível desviar Paulo da sua decisão, desistimos e dissemos: “Faça-se a vontade do Senhor!”

Chegada de Paulo a Jerusalém

15 Assim, passado pouco tempo, juntámos a bagagem e partimos para Jerusalém. 16 Alguns discípulos de Cesareia acompanharam-nos e levaram-nos à casa de Mnasom, natural de Chipre e um dos primeiros discípulos. 17 E todos os irmãos em Jerusalém nos acolheram cordialmente.

18 No segundo dia, Paulo levou-nos consigo para nos encontrarmos com Tiago e com os anciãos da igreja de Jerusalém. 19 Trocadas saudações, Paulo contou as muitas coisas que Deus fizera entre os gentios através do seu trabalho.

20 Eles glorificaram Deus, mas disseram: “Sabes, irmão, quantos milhares de judeus creram também, e todos eles observam zelosamente a Lei. 21 Eles foram informados de que ensinas todos os judeus que vivem no meio dos gentios a afastarem-se da Lei de Moisés, instruindo-os a não circuncidarem os filhos e a não seguirem os costumes judaicos. 22 O que vamos fazer? Sem dúvida que lhes constará que estás de volta.

23 Faz então o que te estamos a dizer: temos aqui quatro homens que se preparam para rapar a cabeça e fazer um voto. 24 Vai com eles ao templo, rapa também a cabeça e paga para que a deles também seja rapada. Assim, todos ficarão a saber que não é verdade o que andam a dizer de ti e que respeitas a Lei.

25 Quanto aos convertidos oriundos dos gentios, comunicamos-lhe a nossa decisão: que se abstenham das carnes sacrificadas aos ídolos, do sangue, da carne não sangrada de animais estrangulados e da imoralidade sexual.”

26 No dia seguinte, Paulo foi com os tais homens ao templo para a referida cerimónia, anunciando assim publicamente o cumprimento dos dias de purificação até que fosse levantada a oferta a favor de cada um deles.

Paulo é preso

27 Os sete dias tinham quase acabado, quando alguns judeus da província da Ásia o viram no templo e, incitando a multidão contra ele, agarraram-no, 28 gritando: “Gente de Israel, venham cá todos! É este o homem que ensina toda a gente em toda a parte contra o nosso povo, contra a Lei e este lugar. Chegou a introduzir gentios no templo e contaminou este lugar santo!” 29 (É que, naquele mesmo dia, tinham-no visto na cidade com Trófimo, gentio de Éfeso, julgando que Paulo o tivesse levado ao templo.)

30 Toda a população da cidade ficou alvoroçada com estas acusações e juntou-se uma multidão. Paulo foi arrastado para fora do templo, cujos portões logo se fecharam. 31 Enquanto procuravam matá-lo, o comandante da guarnição romana foi informado de que toda a Jerusalém estava agitada. 32 Imediatamente mandou aos seus soldados e oficiais que saíssem e ele próprio veio verificar o que se passava. Ao ver que as tropas se aproximavam, a multidão parou de espancar Paulo.

33 O comandante prendeu-o, mandou que o acorrentassem com cadeias dobradas e perguntou à multidão quem era e o que fizera. 34 No meio da multidão, uns gritavam uma coisa, outros outra. Vendo que, naquele tumulto e confusão, não conseguia entender nada, ordenou que o levassem para a fortaleza. 35 Ao chegarem às escadas, a multidão mostrou-se tão violenta que os soldados colocaram Paulo aos ombros para o proteger, 36 enquanto o povo seguia atrás, gritando: “Matem-no!”

Paulo fala à multidão

37 Ao ser levado para dentro, Paulo perguntou ao comandante: “Posso dizer-te uma coisa?”

“Sabes grego?”, perguntou, por sua vez, o comandante. 38 “Não és aquele egípcio que chefiou a revolta há uns tempos e levou consigo 4000 terroristas para o deserto?”

39 “Não!”, respondeu Paulo. “Sou judeu de Tarso, na Cilícia, uma cidade bastante importante, e peço autorização para falar a esta gente.”

40 O comandante concordou. Paulo de pé, nos degraus, fez um gesto ao povo para que se acalmasse. Em breve houve silêncio e Paulo disse, em hebraico, o seguinte:

22 “Irmãos e pais, escutem-me no que vou dizer-vos em minha defesa.” Quando o ouviram falar em hebraico, o silêncio tornou-se ainda maior.

“Sou judeu, nascido em Tarso, cidade da Cilícia, mas educado aqui em Jerusalém sob o ensino de Gamaliel, a cujos pés aprendi a seguir com muito cuidado a nossa Lei e costumes. O meu anseio era honrar a Deus em tudo o que fazia, tal como vocês procuram fazer hoje. Assim, persegui os seguidores do Caminho até à morte, prendendo e entregando à prisão tanto homens como mulheres. O sumo sacerdote pode confirmá-lo, ou até qualquer membro do conselho judaico, pois pedi-lhes que passassem cartas para os irmãos em Damasco, com instruções para me deixarem trazer acorrentado para Jerusalém qualquer cristão que encontrasse, para ser castigado.

Seguia eu pela estrada, já perto de Damasco, quando subitamente, cerca do meio-dia, brilhou em torno de mim uma luz muito forte vinda do céu. Caí e ouvi uma voz que me dizia: ‘Saulo, Saulo, porque me persegues?’

‘Quem és tu, Senhor?’, perguntei.

‘Sou Jesus de Nazaré, aquele a quem persegues.’ Os homens que estavam comigo viram a luz, mas não compreenderam as palavras.

10 E eu disse: ‘Que devo eu fazer, Senhor?’

E o Senhor disse-me: ‘Levanta-te, entra em Damasco e aí te será dito o que deves fazer.’

11 A luz era tão forte que deixei de ver e tive de ser conduzido para Damasco pelos meus companheiros. 12 Aí, Ananias, homem obediente a Deus, devoto à Lei e que gozava da consideração de todos os judeus de Damasco, 13 veio ver-me e, chegando-se junto de mim, disse-me: ‘Irmão Saulo, recupera a vista!’ E naquele momento consegui vê-lo.

14 Então disse-me: ‘O Deus de nossos pais escolheu-te para conheceres a sua vontade, veres o Justo e ouvi-lo falar. 15 Deverás testemunhar diante de todos os homens aquilo que viste e ouviste. 16 Agora, não te demores. Levanta-te, vai batizar-te e lava os teus pecados, invocando o nome do Senhor.’

17 Um dia depois do meu regresso a Jerusalém, quando orava no templo, tive uma visão 18 em que Jesus me disse: ‘Apressa-te, sai de Jerusalém, pois não acreditarão em ti, quando lhes falares acerca de mim.’

19 ‘Senhor’, respondi, ‘eles sabem, sem dúvida, que meti na prisão e espanquei os membros de todas as sinagogas que criam em ti. 20 E quando a tua testemunha, Estêvão, foi morta, lá estava eu manifestando a minha aprovação ao tomar conta da roupa dos que o apedrejavam.’

21 Mas o Senhor disse-me: ‘Sai de Jerusalém, pois vou mandar-te para longe, para os gentios!’ ”

Paulo, o cidadão romano

22 A multidão escutou Paulo até ele dizer aquela palavra; mas, ao ouvi-la, todos gritaram a uma só voz: “Fora com esse homem! Matem-no! Não é digno de viver!” 23 Clamando eles e lançando ao ar a túnica, misturada com terra, 24 o comandante levou-o para dentro e ordenou que fosse açoitado, para que confessasse o crime, pois pretendia descobrir por que motivo a multidão se enfurecera daquela maneira. 25 Quando estavam a amarrar Paulo para o açoitar, este disse a um oficial que se encontrava perto: “Será legal chicotear um cidadão romano que nem sequer foi julgado?”

26 O oficial, ao ouvir isto, falou com o comandante e avisou-o: “Vê lá o que vais fazer! Trata-se de um cidadão romano!”

27 O comandante foi ter com Paulo e perguntou-lhe: “Diz-me, és cidadão romano?”

“Sou, sim!”, respondeu Paulo.

28 “Também eu”, murmurou o comandante, “e esse direito custou-me muito dinheiro!”

Paulo, por seu turno, respondeu: “Mas eu sou cidadão romano por nascimento!”

29 Os soldados que se preparavam para interrogar Paulo foram-se logo embora, quando souberam que era cidadão romano, e o próprio comandante ficou assustado por Paulo ser cidadão romano e por o ter amarrado.

Paulo é levado ao conselho judaico

30 No dia seguinte, o comandante, desejoso de saber ao certo por que razão Paulo estava a ser acusado pelos judeus, tirou-lhe as cadeias e, mandando convocar os principais sacerdotes para uma sessão com o conselho, trouxe Paulo e apresentou-o.

23 Fitando o conselho, Paulo começou por dizer: “Irmãos, tenho sempre vivido diante de Deus com a consciência limpa!”

Logo Ananias, o sumo sacerdote, mandou aos que se encontravam junto de Paulo que lhe batessem na boca. Paulo disse-lhe então: “Deus te castigará, hipócrita! Que espécie de juiz és, para me julgares segundo a Lei, mas violares a Lei ordenando que me batam?”

Os que estavam perto de Paulo disseram-lhe: “É assim que falas ao sumo sacerdote de Deus?”

“Não sabia que era o sumo sacerdote, irmãos!”, respondeu Paulo. “Pois as Escrituras dizem: ‘Nunca fales mal de um líder do teu povo!’ ”[a]

Entretanto, Paulo sabendo que o conselho era formado em parte por saduceus e em parte por fariseus, disse bem alto: “Irmãos, sou fariseu, como o foram todos os meus antepassados. E se hoje estou aqui a ser julgado é porque acredito na ressurreição dos mortos!”

Com estas palavras, imediatamente se dividiu o tribunal, fariseus contra saduceus; pois estes últimos dizem que não há ressurreição, nem anjos, nem espírito, mas os fariseus acreditam em todas estas coisas.

Houve, pois, grande confusão e alguns dos especialistas na Lei, do partido dos fariseus, levantaram uma forte contestação, dizendo: “Nada vemos de culpa nele!”, gritavam. “Pode muito bem ser que um espírito ou um anjo lhe tenha falado!” 10 O tumulto foi tal que o comandante, receoso que o despedaçassem, ordenou aos soldados que o tirassem dali pela força e o levassem novamente para a fortaleza.

11 Naquela noite, o Senhor apareceu junto de Paulo e disse-lhe: “Nada receies, Paulo! Assim como me anunciaste ao povo aqui em Jerusalém, também o farás em Roma.”

O plano para matar Paulo

12 Na manhã seguinte, os judeus juntaram-se e fizeram um juramento de não comer nem beber até que tivessem matado Paulo. 13 Os que participaram na conspiração eram mais de quarenta homens. 14 Seguidamente, foram ter com os principais sacerdotes e com os anciãos do povo, dizendo-lhes o que tinham feito. “Fizemos um juramento, sob pena de maldição, de não comer até termos matado Paulo. 15 Portanto, peçam ao comandante que torne a trazer Paulo à vossa presença, sob pretexto de colher informações mais precisas sobre ele”, rogaram. “Quanto a nós, trataremos de matá-lo no caminho antes de aqui chegar.”

16 Contudo, o filho da irmã de Paulo teve conhecimento deste plano e foi à fortaleza avisar o tio. 17 Paulo, chamando um dos oficiais, disse: “Leva este rapaz ao comandante, porque tem uma coisa importante a revelar-lhe.”

18 O oficial assim fez, explicando: “Paulo, o prisioneiro, chamou-me e pediu-me para trazer aqui este jovem que tem qualquer coisa a revelar.” 19 O comandante pegou no rapaz pela mão e, levando-o à parte, perguntou-lhe: “Que me queres dizer?”

20 O sobrinho de Paulo disse-lhe: “Amanhã os judeus planeiam pedir-lhe que conduzas Paulo à presença do conselho dos anciãos com o pretexto de obterem mais algumas informações. 21 Mas não te deixes convencer por isso! Há mais de quarenta homens, numa emboscada no caminho, prontos para o matar. Juraram não comer nem beber sem o liquidar primeiro. Já lá estão, esperando que o seu pedido seja atendido.”

22 “Que ninguém saiba que me contaste isto!”, avisou o comandante, mandando o rapaz embora.

Paulo é levado para Cesareia

23 Seguidamente, chamou dois dos seus oficiais e ordenou: “Destaquem duzentos soldados, mais duzentos lanceiros e setenta homens de cavalaria, para que estejam prontos para partir para Cesareia às nove horas da noite! 24 Deem uma montada a Paulo e conduzam-no em segurança ao governador Félix.” 25 Escreveu também uma carta ao governador.

26 Cláudio Lísias,

para Sua Excelência, o Governador Félix.

Saudações!

27 Este homem foi detido pelos judeus. Estavam a ponto de o matar quando enviei soldados para o livrar, pois soube que era cidadão romano. 28 Depois, levei-o perante o conselho dos anciãos para procurar saber qual o delito de que o acusavam. 29 Descobri que se tratava de questões respeitantes à Lei judaica, sem haver nenhuma acusação que merecesse prisão ou morte. 30 Quando, porém, fui informado duma conspiração para o matar, resolvi mandá-lo à tua presença, para que os acusadores apresentem a sua queixa.

31 Naquela noite, de acordo com as ordens dadas, os soldados levaram Paulo para Antipátride. 32 Na manhã seguinte, permitiram que a cavalaria partisse com ele e regressaram à fortaleza. 33 Quando chegaram a Cesareia, entregaram a carta ao governador e apresentaram-lhe Paulo. 34 Depois de a ler, este perguntou a Paulo de onde era. “Da Cilícia”, respondeu.

35 “Quando os teus acusadores chegarem, estudarei o caso a fundo”, disse-lhe o governador, mandando que o metessem na prisão no palácio do rei Herodes.

A audiência perante Félix

24 Cinco dias depois chegava Ananias, o sumo sacerdote, acompanhado de alguns dos anciãos do povo e de um certo Tertulo, advogado, para apresentarem as suas acusações contra Paulo. Quando Paulo foi trazido, Tertulo expôs as acusações que eram feitas a Paulo, no seguinte discurso dirigido ao governador.

“Excelentíssimo Félix, graças à tua pessoa e à tua sábia administração, muita coisa boa e muita paz tem tido este povo. E tudo isto é com imensa gratidão que o reconhecemos. Todavia, para que não te enfades, solicito a tua atenção durante um instante, enquanto exponho em resumo as nossas acusações contra este homem. É que verificámos tratar-se de um agitador, um homem que constantemente incita os judeus no mundo inteiro a tumultos e rebeliões contra o governo romano. É ele o cabecilha da seita conhecida pelo nome de Nazarenos. Além disso, tentava profanar o templo quando o prendemos. E quisemos julgá-lo segundo a nossa Lei, mas Lísias, comandante da guarnição, apareceu e arrancou-o violentamente das nossas mãos, ordenando aos seus acusadores que se apresentasse perante ele. Basta interrogá-lo para comprovar a verdade das nossas acusações contra ele.” Logo os outros judeus fizeram coro, afirmando ser verdade tudo quanto Tertulo acabara de dizer.

10 Era a vez de Paulo falar. O governador, com um gesto, mandou-lhe que falasse. Paulo começou: “Sei que desde há muitos anos como governador és o juiz desta nação; por isso, com mais confiança faço a minha defesa. 11 Poderás facilmente averiguar que há apenas doze dias cheguei a Jerusalém para adorar no templo, 12 sem nunca ter provocado tumultos nem no templo, nem em quaisquer sinagogas ou nas ruas de qualquer cidade. 13 E estes homens não poderão provar as acusações que têm contra mim.

14 Mas uma coisa confesso: é que conforme o Caminho a que eles chamam seita, sirvo o Deus dos nossos antepassados, acredito em tudo o que está escrito na Lei e nos profetas, 15 e, tal como eles, acredito na ressurreição de justos e injustos. 16 Por isso, procuro em tudo ter uma consciência limpa perante Deus e os homens.

17 Depois de diversos anos de ausência, voltei a Jerusalém com dinheiro para auxiliar os judeus e para oferecer um sacrifício a Deus. 18 Os meus acusadores viram-me no templo fazendo isso. Tinha terminado o ritual da santificação e não havia nenhuma multidão à minha volta, nenhum motim! 19 Estavam lá, porém, alguns judeus da província da Ásia que também aqui deveriam estar, se têm alguma coisa de que me acusar. 20 Pergunte-se aos homens que estão presentes de que delitos o seu conselho me considera réu, 21 a não ser estas palavras que ali proferi: ‘Estou aqui hoje perante o conselho sob a acusação de acreditar na ressurreição dos mortos!’ ”

22 Félix, que estava bem informado acerca do Caminho, suspendeu a audiência e disse: “Assim que Lísias, o comandante da guarnição, chegar, decidirei o caso.” 23 Deu instruções ao comandante da guarda para manter Paulo sob custódia, mas que lhe fosse dada alguma liberdade de movimentos e não se impedisse qualquer dos seus amigos de o visitar ou de lhe levar ajuda.

24 Alguns dias decorridos, veio Félix com Drusila, sua esposa, que era judia. Esta mandou chamar Paulo e escutou-o acerca da fé em Jesus Cristo. 25 E enquanto Paulo discorria acerca da justiça, da temperança e do julgamento futuro, Félix, aterrorizado, respondeu: “Podes ir embora, por agora; tornarei a ouvi-te numa altura mais conveniente.”

26 Esperava ainda que Paulo lhe desse dinheiro para sair em liberdade e, por isso, chamava-o muitas vezes para conversarem. 27 Assim se passaram dois anos, até que Félix foi substituído por Pórcio Festo. Este, como queria conquistar as boas graças dos judeus, deixou Paulo preso.

Paulo perante Festo

25 Três dias depois de ter chegado a Cesareia, para começar a desempenhar o seu novo cargo, Festo partiu daí para Jerusalém, onde os principais sacerdotes e outros líderes judaicos logo o procuraram, para tornarem a acusar Paulo, rogando-lhe que o trouxesse imediatamente para Jerusalém. Queriam sair-lhe ao caminho e matá-lo. Festo, contudo, respondeu que uma vez que Paulo estava sob custódia em Cesareia, ele próprio voltaria muito cedo para essa cidade. “Os mais competentes de entre vocês”, disse, “venham comigo para apresentar as acusações que tiverem contra este homem, se alguma irregularidade ele cometeu.”

Oito a dez dias depois, regressou a Cesareia e logo no dia imediato tomou o seu lugar na barra do tribunal e mandou trazer Paulo. Quando Paulo entrou no tribunal, os judeus de Jerusalém começaram a pressionar o governador, proferindo muitas e graves acusações contra Paulo, que não podiam provar. Este, em sua defesa, disse: “Estou inocente; não me opus à Lei judaica, não profanei o templo, nem me revoltei contra César.”

Festo, desejoso de agradar aos judeus, perguntou-lhe: “Estás disposto a ir a Jerusalém para ali seres julgado por mim?”

10 Mas Paulo respondeu: “Não! Estou num tribunal romano; é aqui que devo ser julgado. Não cometi nenhuma injustiça contra os judeus, como tu sabes muito bem. 11 Se alguma coisa fiz que mereça a morte, não me recuso a morrer! Mas se estou inocente ninguém tem autoridade para me entregar a estes homens para que me matem. Apelo para César!”

12 Festo conversou com os seus conselheiros e respondeu: “Está bem! Apelou para César, perante César comparecerá!”

Festo aconselha-se com o rei Agripa

13 Alguns dias depois, chegava o rei Agripa com Berenice para visitar Festo. 14 Durante a estadia de vários dias, Festo discutiu o caso de Paulo com o rei. “Temos aqui um homem”, disse, “que Félix deixou sob custódia. 15 Quando estive em Jerusalém, os principais sacerdotes e os anciãos dos judeus deram-me a sua história dos acontecimentos e pediram-me que o condenasse à morte. 16 Disse-lhes logo que a lei romana não condena um homem sem primeiro o julgar e lhe dar a oportunidade de enfrentar os seus acusadores e se defender da acusação que lhe fazem.

17 Quando vieram cá para o julgamento, não protelei a audiência, mas marquei-a para o dia seguinte e mandei que trouxessem o acusado. 18 Todavia, o que os acusadores tinham contra ele não era nada do que eu esperava. 19 Tratava-se de qualquer coisa acerca da sua religião e de um tal Jesus que morreu, mas que Paulo teimava estar vivo! 20 Fiquei hesitante perante um caso deste género e perguntei-lhe se estava disposto a ser julgado em Jerusalém, para responder por estas mesmas acusações. 21 Mas Paulo apelou para que fosse mantido em custódia até à decisão do Imperador. Por isso, mantive-o nessa condição até poder enviá-lo ao Imperador.”

22 “Gostava de escutar o homem”, disse Agripa.

“Amanhã ouvi-lo-ás”, respondeu Festo.

Paulo perante Agripa

23 No dia seguinte, depois de o rei e Berenice terem chegado ao tribunal com grande pompa, acompanhados por oficiais do exército e pessoas importantes da cidade, Festo mandou que trouxessem Paulo. 24 Festo dirigiu-se então ao auditório: “Rei Agripa e todos os presentes, está aqui o homem cuja morte é exigida pelos judeus, tanto daqui como de Jerusalém. 25 Contudo, no meu entender, ele nada fez digno de morte. Mas, como apelou para César, não tenho outro remédio senão mandá-lo para Roma. 26 Não tenho uma verdadeira acusação contra ele de que dê conta ao Imperador. Por isso, trouxe-o perante todos, especialmente perante ti, ó rei Agripa, de modo que, feito o inquérito, me digas o que devo escrever. 27 De facto, parece-me insensato mandar um prisioneiro sem que haja uma acusação devidamente formada.”

26 Agripa dirigiu-se então a Paulo: “Diz-nos o que tens a declarar!” Paulo, estendendo a mão, apresentou a sua defesa.

“Considero-me feliz, rei Agripa, por poder responder na tua presença por tudo aquilo de que sou acusado pelos judeus. Sabendo eu que és conhecedor dos costumes e questões judaicas, rogo-te que me ouças com paciência!

Os judeus conhecem a educação judaica que recebi desde a minha mocidade em Jerusalém. Eles já me conheciam desde o início e, se desejarem, podem testemunhar que vivi segundo as leis e costumes dos fariseus, a seita mais rigorosa da nossa religião. E agora, por eu esperar o cumprimento da promessa de Deus aos nossos antepassados, estou a ser aqui julgado. As doze tribos de Israel lutam noite e dia para alcançar esta esperança que eu tenho! No entanto, Majestade, é essa a acusação que os judeus me fazem! Pois quê? Será assim tão difícil crer na ressurreição dos mortos?

Eu antes julgava ser um dever fazer muita coisa contra os seguidores de Jesus de Nazaré. 10 E foi o que fiz em Jerusalém. Autorizado pelos principais sacerdotes, coloquei muitos dos crentes nas prisões; e quando eram condenados à morte, votava contra eles. 11 Servi-me da tortura para tentar obrigar os cristãos, por todas as sinagogas, a amaldiçoarem o nome de Cristo. Era tão forte o ódio que lhes tinha que cheguei a persegui-los em cidades de países estrangeiros.

12 Uma missão dessas levou-me a Damasco, tendo recebido autoridade e ordens dos principais sacerdotes. 13 De caminho, cerca do meio-dia, Majestade, brilhou sobre mim e os meus companheiros uma luz do céu, luz essa mais forte do que a do próprio Sol. 14 Caímos todos por terra e ouvi uma voz que me dizia em hebraico:

‘Saulo, Saulo, porque me persegues? Não é bom seres obstinado!’

15 ‘Quem és tu, Senhor?’, perguntei.

E o Senhor respondeu: ‘Sou Jesus, aquele a quem persegues. 16 Levanta-te, põe-te de pé, pois apareci-te para te nomear meu servo e testemunha. Deverás contar ao mundo isto que agora te acontece. No futuro, ainda hei de aparecer-te mais vezes e anunciarás o que te for mostrado. 17 Proteger-te-ei tanto dos teus compatriotas como daqueles que não são judeus. Sim, vou enviar-te até aos gentios, 18 para lhes abrires os olhos e os converteres das trevas para a luz e do poder de Satanás para Deus, de modo que recebam o perdão dos seus pecados e tenham um lugar entre o povo de Deus que está santificado pela sua fé em mim.’

19 E assim, ó rei Agripa, não fui desobediente a essa visão celestial! 20 Preguei primeiro em Damasco, depois em Jerusalém e em toda a Judeia, e também aos gentios, anunciando-lhes que todos devem abandonar os seus pecados e converter-se a Deus, provando o arrependimento com a prática de boas obras. 21 Os judeus prenderam-me no templo, por causa disto, e tentaram matar-me. 22 Mas Deus protegeu-me, pelo que hoje estou aqui vivo, para contar estes factos a toda a gente, a grandes e a pequenos. Só ensino o que os profetas e Moisés disseram: 23 que o Cristo haveria de sofrer e ser o primeiro a ressuscitar da morte, para levar a luz tanto aos judeus como aos gentios.”

24 De repente Festo gritou: “Paulo, estás louco! Tanto estudo fez-te perder o juízo!”

25 Paulo respondeu: “Não estou louco, não, Excelência. Falo a linguagem da verdade e do bom senso. 26 E o rei Agripa conhece estas coisas. Falo com ousadia porque estou certo de que estas coisas te são familiares. Estas coisas não foram feitas às escondidas. 27 Rei Agripa, crês nos profetas? Sei que crês.”

28 Agripa, porém, replicou a Paulo: “Por mais um pouco convencias-me a tornar-me cristão!”

29 E Paulo respondeu: “O que eu peço a Deus é que, por pouco ou por muito, tanto o rei como todos quantos aqui estão a ouvir-me sejam como eu, mas sem estas correntes.”

30 Então o rei, o governador, Berenice e todos os outros ali presentes levantaram-se e saíram. 31 Conversando depois sobre o caso, concordaram: “Este homem nada fez que mereça morte ou prisão.” 32 E Agripa disse a Festo: “Bem podia ser posto em liberdade se não tivesse apelado para César!”

A partida de Paulo para Roma

27 Finalmente, ao ficar decidido que viajaríamos por mar até Itália, Paulo e diversos outros presos foram confiados à vigilância de um oficial chamado Júlio, pertencente ao Regimento Imperial. Partimos num barco que ia para Adramítio e que tocaria em vários portos da costa da província da Ásia. Estávamos acompanhados de Aristarco, um macedónio de Tessalónica.

No dia seguinte, quando atracámos em Sídon, Júlio mostrou-se muito amável com Paulo, permitindo-lhe que fosse a terra visitar amigos e receber a ajuda que precisasse. Quando dali partimos, apanhámos ventos contrários que tornavam difícil conservar o navio no rumo; assim, seguimos pelo norte de Chipre, entre a ilha e o continente, e costeámos as províncias da Cilícia e Panfília, desembarcando em Mirra na província da Lícia. Ali, o oficial encontrou um barco egípcio, vindo de Alexandria e que se dirigia à Itália, e fez-nos embarcar nele. Após vários dias de navegação difícil, aproximámo-nos, por fim, de Cnido, mas o vento era demasiado forte e atravessámos para Creta, passando o porto de Salmona. Navegando com grande dificuldade, e avançando lentamente ao longo da costa sul, chegámos a Bons Portos, perto da cidade de Laseia.

Ali nos demorámos vários dias. O tempo estava já a ficar perigoso para viagens de longo curso, porque a época do jejum já tinha passado e se aproximava o inverno, e Paulo falou nisso à tripulação: 10 “Meus senhores, vejo que sofreremos um desastre se prosseguirmos viagem, e que podemos até perder a carga e as nossas vidas.” 11 Mas os oficiais encarregados de vigiarem os presos davam mais ouvidos ao piloto e ao dono do navio do que a Paulo. 12 Como aquele porto não tivesse boas condições para passar o inverno, a maior parte da tripulação achava melhor tentar subir mais pela costa até Fénix, que era outro porto, mas abrigado, aberto só a sudoeste e noroeste, e onde se podia passar melhor o inverno.

A tempestade

13 Nesse instante começou a soprar brandamente um vento do sul, parecendo-lhes ter as condições que desejavam; assim, levantaram ferro e foram navegando ao longo da costa de Creta. 14 Pouco depois, porém, um vento muito forte abateu-se sobre o navio, empurrando-o para o mar; era “o nordeste”, como lhe chamavam. 15 E não conseguindo navegar, demos mão de tudo e deixámos o navio ir à deriva do vento.

16 Finalmente, viemos parar atrás duma pequena ilha chamada Cauda, onde com grande dificuldade içámos para bordo o bote que trazíamos a reboque, 17 amarrando depois o barco com cordas para reforçar o casco. Os marinheiros tinham medo de ser atirados para os bancos de areia de Sirte, na costa africana, baixaram a vela grande e continuaram assim, impelidos pelo vento.

18 No dia seguinte, como o temporal nos afligisse ainda mais, a tripulação começou a deitar a carga pela borda fora. 19 No outro dia, atiraram ao mar com as próprias mãos os aprestos. 20 Esta terrível tempestade continuou durante muitos dias sem abrandar, não sendo possível a orientação nem pelo Sol nem pelas estrelas. Por fim, todas as esperanças de salvação se perderam.

21 Ninguém comia havia já muito tempo, até que Paulo, reunindo a tripulação, disse: “Deviam ter-me dado ouvidos e não sair de Bons Portos; ter-se-ia evitado todo este estrago e perda!

Footnotes

  1. 23.5 Êx 22.28.