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Sou um homem que viu as aflições que a vara do Senhor fez derramarem-se. Levou-me até às trevas profundas, tirou-me toda a luz. Voltou-se contra mim. Dia e noite a sua mão pesa sobre mim.

A minha pele está envelhecida e a minha carne mirrada; quebrou-me os ossos todos. Construiu torres fortificadas contra mim; rodeou-me de angústia e de tormento. Meteu-me dentro de lugares tenebrosos, semelhante aos que dormem há muito o seu último sono.

Emparedou-me; estou impossibilitado de fugir; agrilhoou-me com pesadas cadeias. Ainda que grite e clame, não ouvirá os meus rogos! Encarcerou-me num sítio rodeado de muros altos e espessos; encheu o meu caminho de emboscadas.

10 Espia-me como um urso prestes a atacar e como um leão pronto a saltar sobre a presa. 11 Fez-me extraviar do meu caminho; fez-me em pedaços e deixou-me a escorrer sangue, abandonado. 12 Retesou o arco e apontou certeiramente contra mim.

13 As suas setas entraram profundamente no meu coração. 14 O meu próprio povo ri-se de mim. Cantam o dia inteiro as suas canções dissolutas. 15 Encheu-me de amargura; deu-me a beber um copo cheio da mais profunda tristeza.

16 Fez-me comer cascalho, de tal forma que até os dentes se me partiram; fez-me rolar no meio da cinza e da sujidade. 17 Esqueci-me até do que significa prosperidade; perdi toda a tranquilidade na minha vida. 18 Até já me esqueci da alegria que essas coisas provocam. Só sei dizer: A minha força foi-se. Não espero nada de Deus!

19 Oh! Lembra-te da amargura e do sofrimento que lançaste sobre mim! 20 Nunca mais esquecerei estes horríveis anos. A minha alma passará a viver numa completa vergonha.

21 Mas há ainda um raio de esperança. 22 É que as misericórdias do Senhor não têm fim; foram as misericórdias do Senhor que impediram que fôssemos consumidos em absoluto; 23 grande é a sua fidelidade. A sua compaixão é sempre renovada em cada dia. 24 O Senhor é aquilo de que preciso para viver; é a minha única riqueza, por isso, espero nele.

25 O Senhor é bom para os que esperam nele, para os que o buscam. 26 É bom ter esperança e aguardar calmamente a salvação do Senhor. 27 É bom para um jovem estar sob disciplina.

28 Porque fá-lo sentar-se solitário, em silêncio, sob o controlo do Senhor, 29 inclinar o rosto para o chão, para o pó da terra; no fim, haverá esperança para ele. 30 Que aprenda a dar a outra face a quem o fere, que saiba enfrentar a afronta.

31 O Senhor não o abandonará para sempre. 32 Ainda que Deus o faça sofrer, mostrar-lhe-á a sua compaixão, de acordo com a sua grande misericórdia. 33 Porque não é do seu agrado afligir as pessoas, deixá-las tristes.

34 Quando são espezinhados os prisioneiros da terra, 35 e quando defraudam os direitos das pessoas, perante o Altíssimo, 36 e recusam fazer-lhes justiça, não é de admirar que o Senhor os queira castigar.

37 Quem poderá falar e fazer acontecer, se assim o Senhor não tiver orientado? 38 Ora, não é pela vontade do Altíssimo que procedem tanto as desgraças como as bênçãos? 39 Porque haveríamos então nós, meros seres humanos como somos, de murmurar e de nos lamentarmos, quando somos castigados por causa dos nossos pecados?

40 Examinemo-nos a nós próprios, antes, e arrependamo-nos; voltemos para o Senhor. 41 Levantemos os corações e as mãos para o Deus dos céus e digamos: 42 “Nós pecámos e rebelámo-nos contra ti e tu não nos perdoaste!

43 Cobriste-nos com a tua ira, Senhor, mataste-nos sem piedade. 44 Cobriste-nos com uma nuvem, de forma que as nossas orações não te alcançam. 45 Fizeste-nos como entulho e como lixo no meio das nações.

46 Todos os nossos inimigos falaram mal de nós. 47 Estamos cheios de terror porque fomos apanhados, desolados, destruídos.”

48 Os meus olhos derramam torrentes de lágrimas de dia e de noite, por causa da destruição do meu povo.

49 Os meus olhos são fontes inesgotáveis de choro, sem cessar e sem descanso, 50 até que o Senhor olhe desde o céu e responda aos meus rogos! 51 O meu coração confrange-se perante aquilo que aconteceu às mulheres da minha cidade.

52 Os meus inimigos, a quem nunca fiz mal nenhum, enxotaram-me como se eu fosse uma ave de rapina. 53 Lançaram-me num poço e atiraram pedras sobre mim. 54 A água subiu acima da minha cabeça. Eu já pensava: É o fim!

55 Apelei para o teu nome, Senhor, desde o fundo desse poço, 56 e tu ouviste-me: “Não escondas os teus ouvidos ao meu choro e ao meu clamor!” 57 Sim, atentaste para os meus gritos desesperados e disseste-me: “Não temas!”

58 Ó Senhor, tu és o meu advogado! Defende a minha causa, porque redimiste a minha vida! 59 Viste, Senhor, o mal que me fizeram; sê o meu juiz e julga a minha causa. 60 Observaste as conspirações que os meus inimigos arquitetaram contra mim.

61 Ouviste os nomes afrontosos que me chamaram, Senhor, e tudo o que dizem a meu respeito; 62 as suas acusações e o seu murmurar contra mim o tempo todo. 63 Observa-os quando se assentam e quando se levantam; eu sou o objeto da zombaria das suas canções.

64 Ó Senhor, vinga todo o mal que eles têm feito! 65 Que os seus corações se encham de desespero perante a tua maldição! 66 Vai atrás deles, perseguindo-os na tua ira e varre-os da Terra, de sob os céus do Senhor!

Como o ouro perdeu o seu brilho! O ouro fino tornou-se baço! As pedras do santuário estão espalhadas no chão, no meio da rua.

A fina flor da tua juventude, esse ouro de maior quilate, é tratada como um vulgar jarro de barro.

Até os chacais alimentam as suas crias, mas o meu povo de Israel não pode fazê-lo; é como as cruéis avestruzes do deserto, descuidadas com as suas crias.

As línguas das crianças prendem-se ao céu-da-boca com a sede que têm, pois não conseguem encontrar uma gota de água. Os bebés choram por comida e ninguém consegue dar-lhes seja o que for.

Aqueles que costumavam comer faustosamente andam agora pelos cantos das ruas estendendo as mãos a pedir esmola. Os que sempre viveram em palácios estão agora no meio da sujidade, coçando-se e mendigando.

Porque o castigo do meu povo é maior do que o de Sodoma, a qual foi subvertida totalmente em momentos, por uma catástrofe, e sem que interviesse a mão do homem.

Os seus nobres eram belos e elegantes, mais brilhantes que a neve ao Sol, mais alvos que o leite; tinham a pele mais rosada que finos rubis e sua aparência lembrava as mais lindas safiras.

Mas agora estão com os rostos estragados e sujos como de fuligem; ninguém os reconhece; estão na pele e osso, secos e mirrados.

Os que perdem a vida na guerra são considerados muito mais ditosos do que os que morrem de fome.

10 Mulheres piedosas e sensíveis chegaram ao ponto de cozer e comer os próprios filhos, para conseguirem sobreviver ao cerco da cidade.

11 Mas agora, enfim, a cólera do Senhor está satisfeita, a sua ira terrível foi derramada! Ele acendeu um fogo em Sião que ardeu até aos fundamentos.

12 Não havia um rei sequer, nem ninguém em todo o mundo, que acreditasse que o inimigo poderia entrar pelas portas de Jerusalém!

13 E Deus permitiu que isso acontecesse por causa dos pecados dos profetas e dos sacerdotes que sujaram a cidade, fazendo derramar-se sangue inocente.

14 Agora esses mesmos homens andam cambaleando cegos, através das ruas, cobertos de sangue, tornando impuro tudo o que tocam.

15 “Afastem-se!”, grita-lhes o povo. “Vocês são impuros!” E eles fogem para terras distantes e vagueiam por entre estrangeiros, mas ninguém lhes dá autorização de permanência.

16 O Senhor mesmo, na sua ira, os dispersou; não os socorrerá mais, visto que não honram os sacerdotes nem os anciãos.

17 Bem pedimos ajuda aos nossos aliados, para que venham salvar-nos, mas pedimos em vão. As nações com quem mais contávamos não mexem um dedo a nosso favor.

18 Não podemos sair às ruas sem o risco de perder a vida. O nosso fim está perto, os nossos dias estão contados, estamos condenados.

19 Os nossos inimigos são mais rápidos do que águias; se fugimos para as montanhas, apanham-nos lá; se nos escondemos no deserto, já lá estão à nossa espera.

20 O nosso rei, que nos é tão precioso como o ar que respiramos, o ungido do Senhor, caiu nas armadilhas. E nós pensávamos que sob a sua proteção podíamos viver entre as nações!

21 Ficaste feliz, ó povo de Edom, da terra de Uz! No entanto, também tu hás de beber o cálice amargo da ira de Deus que te embriagará e te deixará despida.

22 O teu exílio, ó Sião, por causa dos teus pecados, terminará por fim! O Senhor não prolongará o teu cativeiro! Mas em relação a ti, ó Edom, ele punirá o teu pecado e colocará à vista de todos as tuas transgressões!

Ó Senhor, lembra-te de tudo o que nos sobreveio! Vê quantas tristezas temos de aguentar!

Os nossos lares, a nossa nação, estão cheios de estrangeiros.

Somos órfãos; os nossos pais morreram; as nossas mães estão viúvas.

Temos de pagar até a água que bebemos; a lenha é-nos vendida a preços astronómicos.

Temos de dobrar os pescoços sob os pés daqueles que nos venceram; o nosso quinhão agora é executar trabalhos intermináveis.

Vemo-nos na contingência de ter de pedir pão e estender as mãos aos egípcios e também aos assírios.

Os nossos antepassados pecaram, mas morreram antes que a mão do julgamento caísse sobre eles. Fomos nós, afinal, que tivemos de suportar aquilo que eles também mereciam!

Os nossos antigos servos tornaram-se os nossos senhores e ninguém ficou para nos salvar.

Fomos para o deserto para caçar, à procura de alimento, arriscando ser mortos pelos inimigos.

10 A fome faz-nos arder em febre; até a pele nos abrasa como um forno.

11 Violaram as mulheres de Sião e as raparigas das cidades de Judá.

12 Os nossos nobres foram pendurados pelas mãos e até os velhos foram desrespeitados, sem consideração pelos seus cabelos brancos.

13 Levaram os moços para os obrigarem a moer o trigo e as criancinhas para as carregarem com fardos pesados, sob os quais cambaleiam sem forças.

14 Os anciãos já não se sentam mais à entrada da cidade, junto aos portais, e os jovens já não cantam.

15 Acabou tudo o que nos dava tanta alegria aos corações; os nossos bailados tornaram-se danças de carpideiras.

16 Foi-se a nossa glória! Caiu-nos da cabeça a coroa, que era o nosso privilégio, o nosso orgulho! Ai de nós, porque pecámos!

17 Temos os corações oprimidos e amargurados; os nossos olhos incham e vamos perdendo a vista.

18 O monte Sião está deserto; foi abandonado por todos, menos pelos chacais que fazem a toca entre as ruínas.

19 Ó Senhor, mas tu permaneces eternamente o mesmo! O teu trono subsiste de geração em geração!

20 Porque haverias de nos esquecer para sempre? Será que nos vais desamparar por um tempo sem fim?

21 Converte-nos, Senhor, faz-nos voltar de novo para ti! É essa a nossa esperança! Faz-nos viver de novo os bons dias antigos!

22 Será que nos rejeitaste efetivamente para sempre? Será que a tua cólera contra nós não vai ter um termo?